quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A Teologia do Culto Reformado - 02.


Continuação do post anterior.
As últimas duas doutrinas, obviamente, eram derivadas da primeira toda inclusiva doutrina das Escrituras. Uma vez que a Bíblia foi reintegrada em toda a sua autoridade, então se seguiu que qualquer tradição que conflitava com a Palavra de Deus, embora com a sanção da Igreja, tinha que ser abolida. Ainda mais, a primazia das Escrituras determinou um desejo pelo retorno aos princípios e práticas da comunidade primitiva de cristãos como vista nos Atos dos Apóstolos. Estas duas conclusões passaram de mão em mão. Isso porque os erros da igreja contemporânea foram vistos como desvios tanto da Bíblia como também da Igreja primitiva. Ainda, existiam dois princípios dominantes na Bíblia que a prática da Igreja contemporânea desconsiderava.
Se os homens eram justificados por meio da fé na justiça de Cristo, aceitando seu sacrifício como garantia toda suficiente para o perdão de seus pecados, então todas as práticas motivadas por uma crença na justificação pelas obras deveriam desaparecer. Tais práticas incluíam participar da Missa como uma boa obra como também fazer peregrinação. Ainda, a noção de que os santos têm um tesouro de méritos o qual está disponível como um crédito para compensar os débitos do pecador, também tinha que ser abolida. A mesma concepção da eficácia da intercessão dos santos e da mediação necessária do sacerdote anulava a doutrina bíblica de Cristo como único mediador. Se santos e sacerdotes eram indispensáveis, seria inverídico dizer ser Cristo “o único nome dado entre os homens pelo qual importa que sejamos salvos”. Portanto através destas três doutrinas integradas no pensamento de ambos os reformadores Lutero e Calvino se fez necessária uma reforma litúrgica.
Os resultados das reformas litúrgicas luteranas e calvinistas foram reconhecidamente diferentes. Como essas diferenças deveriam ser levadas em consideração? É insuficiente explicar estas diferenças assumindo que Lutero era um conservador e cauteloso reformador enquanto que Calvino era lógico e radical. A diferença real entre a reforma luterana e calvinista no culto pode ser disposta como o seguinte: Lutero ficaria com o que não era especificamente condenado nas Escrituras enquanto Calvino iria ficar apenas como o que era ordenado por Deus nas Escrituras. Este era o seu fundamental desacordo. Isto é de vital importância na historia do culto Puritano, desde que os Puritanos aceitavam o critério Calvinista, enquanto que seus oponentes, os Anglicanos, aceitavam o critério Luterano.
A visão de Lutero, que será demonstrada, foi na maior parte direcionada pelas suas considerações teológicas, mas também deve ser levado em alguma conta seu temperamento e suas exigências práticas que ele tinha que encarar como razões de seu assim chamado conservadorismo. Ele deixou isto muito claro quando não desejava introduzir uma “nova lex” em matéria litúrgica. Ele era averso a instalação de um Cristianismo Levítico. Isto, dizia ele, era contrário a liberdade do Cristão. Todavia, Lutero mantinha que a Palavra de Deus, se fielmente pregada, iria por ela mesma criar novas e adequadas formas de culto cristão. Para ele, isso não produziria uma liturgia obrigatória que acorrentava as consciências dos homens Cristãos. Até quando promulgou a Formula Missae ele negou o desejo de obrigar os Cristãos de aceitá-la. Foi meramente introduzida como uma alternativa sugerida à Missa da Igreja Romana, não como uma declaração autoritativa a qual se deva submeter. A variedade de ritos e cerimônias praticadas nos dias atuais pelas Igrejas luteranas do continente é um legado da doutrina de Lutero da liberdade do Cristão. Deve ainda ser lembrado que ele favoreceu a fluidez no fundamento que a uniformidade litúrgica, pela razão de sua própria uniformidade, iria cegar os homens para o caráter interno do culto. Tudo o que ele requeria era que os ritos da Igreja não deveriam conflitar com a orientação da Sagrada Escritura. Isto estava baseada na advertência de Paulo a considerar o irmão mais fraco. Para que eles não fossem desnorteados por nenhum iconoclasticismo, ele propunha abolir apenas o que era contrario ao ensinamento claro das Escrituras. Para o resto, ele iria provar de todas as coisas e reter o quer era bom.
Esta tendência em considerar a tradição da igreja como valiosa, quando e onde ela não contradizia a Escritura, foi confirmada em Lutero por sua doutrina das Ordens. As implicações desta doutrina foram que Deus ordenou ao mundo que o homem não deveria viver como um individuo isolado da sociedade, mas como um ser compartilhando certas relações comunitárias. Tais comunidades ordenadas por Deus são a Igreja e o Estado. Desde que elas dependem para a sua continuidade da divina sanção, os homens devem respeitá-las. Portanto, excetuando-se o que elas definidamente contradizem a vontade revelada de Deus, elas devem ser obedecidas. Tal doutrina coloca um grande prêmio sobre a tradição e deve ser tida como a base religiosa do conservadorismo de Lutero. Também ajuda a explicar o porquê dos bispos tem uma parte importante em decidir quais particulares reformas litúrgicas são desejáveis. Teoricamente, Lutero deixou a escolha de aceitar ou rejeitar suas reformas litúrgicas para os cristãos das igrejas locais, mas na prática a decisão foi deixada para a escolha do bispo.
Um ponto a ser tratado ainda, é a atitude de Lutero para o cerimonial. Em contraste com o despido Culto Calvinista, a liturgia luterana é rica no uso de ações simbólicas e vestimentas. Nesta matéria, nós temos a clara afirmação de Lutero que Deus deu ao homem cinco sentidos com os quais ele o poderia adorar e seria uma franca ingratidão não usá-los. Sem dúvida ele iria considerar a forma de liturgia de Calvino como um exemplo de cultuar a Deus com apenas dois dos sentidos: ouvir e falar ou cantar. Ao contrário da liturgia Luterana que apela para o sentido do olfato nos incensos e para a visão pelo uso de vestimentas e cerimônias. Para esse criticismo Calvino teria legitimamente respondido que o culto é primariamente para a glória de Deus, e secundariamente para a edificação do homem e não para o prazer deles.

Continua no próximo post

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